
Idade: 78
Cidade de origem: São Francisco de Assis do Piauí, PI
Cidade que mora atualmente: São Paulo, SP
Ano da migração: 1968
Ocupação Atual: Aposentado
Como era a vida onde você morava? Você morava na cidade ou no interior?
Eu morava nas Queimadas, no interior. Naquela época a cidade ainda era um povoado. Trabalhava na roça para sobreviver e ajudar a criar a irmandade que vinha nascendo, éramos cinco irmãos homens e cinco mulheres. Era difícil sobreviver da lavoura, plantar, esperar a colheita e depois alimentar todos em casa. Quando cheguei a uma idade mais avançada, com uns 14, 15 anos, construí a roça de algodão. A gente só via a cor do dinheiro no tempo da safra, e com esse dinheiro eu cheguei a comprar um garrote, que é um boi novo. Esse boi - que era meu e do meu irmão - foi vendido por meu pai para pagar um dote. Meu irmão tirou a virgindade de uma prima e ninguém da família queria esse casamento, o dote foi pago para que eles não precisassem se casar.
O que fez você decidir sair da sua terra?
Eu comecei a me entrosar com uma moça, pedi ela em casamento e tudo. Construí uma casa, deixei rebocada, mais ou menos pronta, mas faltava mobiliar. Então dei uma festa, forró a noite inteira, era a minha despedida para ir para São Paulo, ia ganhar dinheiro para comprar os móveis e casar. Juntei dinheiro da colheita de algodão e fui embora com 19 anos. Acabei não voltando, vendi a casa para uma irmã e um irmão.
Foi uma decisão fácil ou difícil? Por quê?
No começo foi difícil, mas depois arrumei família, casei e tive um casal de filhos. Comprei um carro, dois terrenos, tive três casas, duas casas aqui - uma com seis comodos - e outra em Santos. Depois que separei, isso aí foi tudo vendido e 50% ficou para minha ex-esposa. Com o que sobrou, construí outra família e tive mais um casal de filhos.
Como você se locomoveu da sua cidade até aqui?
Eu vim de ônibus, eram aqueles monobrocos. Não tinha ar-condicionado, era frio, calor, criança chorando, cagando dentro do ônibus. As pessoas pegavam o chifre do bode, arrancava o miolo e comiam. Era farofa mesmo, colocava as vasilhas em cima do assoalho do ônibus. Foram três dias e meio de viagem, cheguei em São Paulo no mês de junho e era um frio que cheguei a chorar durante a noite, arrependido - isso é lugar de gente? Um sol frio, com garoa…
Tinha alguém aqui te esperando ou você veio por conta própria?
Meu irmão já morava na Pompéia, com um primo. Na semana seguinte que cheguei já começei a trabalhar. Cada um que vinha do Norte ia morar junto com a gente. Era uma casa de um cômodo só, com uns 10 metros de comprimento e colocavamos as camas nos cantos, deixando passagem. Para cozinhar, comprávamos tudo na feira, saco de arroz, roupas também. Só tinha um mercadinho, naquele tempo não tinha mercados grandes, atacadistas.
O que você lembra do seu primeiro dia aqui?
Lembro que cheguei umas dez, onze horas, na rodoviária do centro, na General Osório, perto da praça da República. Estava um frio com garoa que eu batia o queixo, totalmente diferente do que conhecia. Estava vestindo uma calça de linho caqui e uma camisa volta ao mundo, que parece linho mas não era.
O que você sentiu mais falta quando chegou?
Senti falta do meu pai, mãe, irmãos que eram menores: Nestor, Clara, Maria. Só eu, Zé Antônio e Maria Rosa éramos de maior. Alguns foram vindo, minha mãe morou mais de um ano por aqui, na época.
O que te ajudou a se adaptar à nova cidade e seguir a vida?
Sempre pensei no meu futuro. No meu primeiro casamento, com menos de um ano, minha mulher já pedia separação, mas mesmo no sufoco, sofrendo, eu insisti no casamento para criar meus filhos. Não queria ver meus filhos sofrerem. Depois da separação dei a pensão até atingirem a maioridade.
Você conseguiu trabalho logo que chegou? Em quê?
Uma semana depois que cheguei, comecei na Rapartição de água, na manutenção de vazamentos de água na cidade. Um ano depois, fui para construção civil. Fui empregado por um bom tempo, como predeiro, engenheiro, encarregado, mestre de obras, empreiteiro… e parei por aí. Depois montei meu ramo de trabalho, eu mesmo tocava as obras, com funcionários e tudo.
Teve chance de estudar aqui ou pretende estudar ainda?
No tempo que era solteiro, eu trabalhava na firma e estudava à noite. Estudei até a quinta série, mas me atrasava muito, não dei conta de estudar e trabalhar.
Como tem sido viver aqui?
A pior coisa que pode acontecer é ficar doente, internado. Já fiquei internado três meses por conta de vício. Bebia muito e não me alimentava direito, tive problema de hepatite, no pâncreas. A minha segunda esposa falava que eu não teria vida, iria morrer. Hoje graças à Deus estou bem, tenho meus filhos criados.
A vida que você leva hoje era o que você imaginava?
Graças à Deus hoje me sinto feliz. Tive tempos bons e ruins.
Você costuma visitar sua cidade? Com que frequência? Como você se sente quando volta para lá?
Nunca voltei. Meu sonho é voltar. Quando não penso, vejo nos sonhos os pontos da cidade.
Você pensa em voltar a morar em sua cidade natal um dia?
Não me arrisco mais a morar no Nordeste, tenho medo de sair de São Paulo.
Você se sente parte da cidade onde vive agora?
Não posso reclamar de São Paulo. Eu faço parte de São Paulo, a cidade foi tudo na minha vida.
Quando se apresenta, o que você diz primeiro: de onde você veio ou onde mora atualmente?
Eu me sinto nortista, nordestino. Nasci no norte, onde me criei. Agora estou me criando aqui e dou valor a São Paulo.
O que você trouxe da sua terra que continua com você?
Não.
O que você acha que as pessoas deveriam saber sobre quem sai do Nordeste e vem morar aqui?
O conselho que dou, se a pessoa tem coragem na vida, é correr atrás do dia a dia, se habituar a cidade grande para sobreviver e dar conforto para a família.