Idade: 57
Cidade de origem: São Francisco de Assis do Piauí, PI
Cidade que mora atualmente: São Paulo, SP
Ano da migração: 1988
Ocupação Atual: Autônoma (vendedora de produtos de beleza)
Como era a vida onde você morava? Você morava na cidade ou no interior?
      Eu morava no interior e, posteriormente, fui morar no povoado, que se tornou a cidade de São Francisco. Eu gostava, a vida dependia muito da época. Havia alguns tempos difíceis, quando não havia chuva, que passávamos por muitas necessidades, até fome. Quando chovia, pegávamos água no tanque a pé, com os baldes na cabeça. Eu carregava muito peso para levar água pra casa. Na época de chuva também havia muita fartura. Outra recordação boa era dos meus avós. Eu adorava dormir na casa deles, que era perto da nossa. Éramos em três irmãos e cada um tinha um dia para dormir, porém, devido à criação rígida do meu pai, precisávamos pedir autorização mesmo no nosso próprio dia. Lembro que, uma vez, era meu dia, e meu avô estava voltando pra casa dele de jumento. Eu pedi para minha mãe, Elisa, e ela deixou. Eu fui, dormi lá, e no outro dia meu irmão, que era danado, já chegou dizendo pela manhã que meu pai, Joel, iria me bater, aí eu não voltei. Fui pra casa somente na hora do almoço, pensando que ele iria esquecer e não iria me bater. Eu, minha irmã Isabel e meu irmão, o Zé, comíamos em uma única tigela de alumínio, cada um com uma colher, sentados no chão e comendo. Meu pai chegou, me puxou pelo braço e me deu uma surra de cinto. A única que levei do meu pai em toda a vida. Mas, mesmo assim, eu gostava muito do meu pai, eu adorava ele, apesar de ele beber muito.
O que fez você decidir sair da sua terra?
      Após o falecimento do meu pai em São Paulo, quis vir para a cidade com a ilusão de que encontraria meu pai vivo em algum lugar por aqui.
Foi uma decisão fácil ou difícil? Por quê?
      Foi difícil pelo apego. Eu lembro do cheiro do mato, era muito agradável. Hoje, de tudo de lá do Piauí, o que tenho mais recordações, o lugar que mais eu costumo sonhar, é com a casa do meu avô Lourenço. Esses dias eu sonhei vendo a casa da mesma forma que era: da sala com um banco de madeira, outra sala com uma mesa onde ficavam os santos, do quarto da minha avó Intelvina, que tinha a cama, mas minha avó só dormia na rede, tinha a cozinha, um espaço para fazer farinha, um quarto da bagunça e um quartinho que eu dizia que era meu e que eu ia arrumar ele pra mim.
Como você se locomoveu da sua cidade até aqui?
      Eu fui para Petrolina em um caminhão de um primo, o Valinho. Foi um dia inteiro de viagem. De Petrolina para São Paulo, lembro que ele me ajudou a carregar as malas pesadas até a rodoviária de Petrolina, onde peguei um ônibus. Foi uma viagem de aproximadamente dois dias e meio até São Paulo.
Tinha alguém aqui te esperando ou você veio por conta própria?
      Fiz a viagem junto da minha amiga Socorro. Minha irmã já morava aqui e também fui acolhida por meus tios, Flausino e Maria, com quem morei durante algumas semanas. Meu ex-marido, que também é de São Francisco, também já estava aqui e trabalhava como porteiro. Nos casamos e ele conseguiu um emprego como zelador em um prédio em Higienópolis, onde fomos morar. Engravidei do meu primeiro filho. Depois que engravidei do meu segundo filho, ele achava que iriam nos mandar embora, mas moramos lá até nossos filhos crescerem.
O que você lembra do seu primeiro dia aqui?
      Fui direto para Suzano e dormi na casa de um parente. No dia seguinte fui encontrar meu tio Flausino. Lembro que o Mariano, pai da minha amiga Socorro que veio comigo, me levou de trem até a casa do meu tio Flausino. Ele entrou no trem e, quando fui acompanhar ele, fiquei presa na porta do trem. Tenho medo até hoje. Também lembro que, quando cheguei aqui, foi a época que passei mais frio em São Paulo. Tinha garoa e frio, eram os meses de junho ou julho, e a primeira roupa que comprei foi uma blusa rosa e um sapato rosa na Lapa com minha tia Maria. Depois, minha irmã Isabel me deu uma calça preta de frio.
O que você sentiu mais falta quando chegou?
      Durante a noite era quando mais sentia falta... de tudo. Da minha vó, do meu avô, da minha mãe. Mas, principalmente, do meu avô. Nunca vai existir uma pessoa como ele. Era maravilhoso, nunca vi ele bravo, fazia de tudo pra agradar a gente. Lembro que, quando ele viajava pra outra cidade pra tirar o dinheiro da aposentadoria, sempre voltava com balas. Minha avó também sempre tinha alguma coisa guardada. Às vezes eu pedia: "Vó, me dá um bolo?" e ela dizia que não tinha. Aí meu avô brincava: "Velha sovina, você tem, deixa de ser sovina velha!" e depois ela acabava dando pra gente. Eu considerava os dois como meus pais, porque minha mãe, por exemplo, a Elisa, quando eu nasci e tinha uns seis meses, foi morar em São Paulo, e eu fiquei com minha avó. Quando ela voltou, eu não queria ir morar com ela. Queria continuar com meus avós.
O que te ajudou a se adaptar à nova cidade e seguir a vida?
      Me distraía com o programa Viva a Noite do Gugu Liberato. Ele foi um ídolo. Até cheguei a conhecer ele durante um lançamento do livro dele.
Você conseguiu trabalho logo que chegou? Em quê?
      Arrumei meu primeiro serviço como babá de um menino, o Pedrinho, logo que cheguei aqui, com ajuda da minha irmã.
Teve chance de estudar aqui ou pretende estudar ainda?
      Não tive. Cheguei a entrar na escola, mas sempre chegava atrasada por conta do serviço. Apesar de não ter tido a oportunidade de estudar, eu tenho muito orgulho dos meus filhos, o Bruno e o Ricardo. Quando eu parei de ir para a escola, eles eram pequenos, e eu tinha que ensinar e dar atenção para que eles pudessem estudar. Eu fiz de tudo para que eles pudessem se formar. Depois que os meninos cresceram, até tentei voltar. Ainda quero voltar a estudar, mas me falta tempo.
Como tem sido viver aqui?
      Eu gosto da vida aqui, apesar da correria. Amo meus filhos e quero estar onde eles estiverem.
A vida que você leva hoje era o que você imaginava?
      Não, eu imaginava uma vida melhor, morando na minha própria casa, que é o meu sonho. Infelizmente não tivemos estrutura familiar para isso, pois meu casamento foi turbulento.
Você costuma visitar sua cidade? Com que frequência? Como você se sente quando volta para lá?
      Sempre que posso, todo ano, vou visitar minha mãe. Volto chorando, queria ficar mais próxima dela. É o que me prende lá. Quando meus filhos eram pequenos, era muito difícil viajar, pois eles tinham medo até das moscas, tomavam banho frio na estrada, coisa que não estavam acostumados.
Você pensa em voltar a morar em sua cidade natal um dia?
       A cidade mudou muito, não conheço mais as pessoas. Não voltaria a morar lá.
Você se sente parte da cidade onde vive agora?
      Sim.
Quando se apresenta, o que você diz primeiro: de onde você veio ou onde mora atualmente?
      Sou do Piauí e estou passando um tempo em São Paulo.
O que você trouxe da sua terra que continua com você?
      Eu trouxe um rádio vermelho que meu pai tinha mandado daqui de São Paulo pra mim. Eu lembro que, quando ele mandou esse presente, eu fiquei muito feliz e ia pra todo lugar com o radinho na mão. E de comida, o cuscuz. Na minha casa não pode faltar cuscuz.
O que você acha que as pessoas deveriam saber sobre quem sai do Nordeste e vem morar aqui?
      Eu diria para não vir. Lá, São Francisco, já está bem melhor, mais tranquilo. Tirando os pernilongos.

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