
Idade: 33
Cidade de origem: São Francisco de Assis do Piauí, PI
Cidade que mora atualmente: Osasco, SP
Ano da migração: 2011
Ocupação Atual: Fotógrafo/ Especialista de Produtos
Como era a vida onde você morava? Você morava na cidade ou no interior?
Eu morava na cidade. A vida era bem tranquila, porém ao mesmo tempo difícil. Eu morava com minha avó e meus dias eram divididos entre a cidade e a roça, que ficava a uma distância de dois quilômetros de onde morávamos. Lá eu ia todos os dias cuidar das plantas e da criação, como costumamos chamar os animais que criamos no Nordeste. Minha avó sempre se dedicou à criação de cabras e eu tinha a responsabilidade, desde pequeno, de acompanhá-la nas caminhadas diárias para alimentar os animais e dar água. Inclusive, a água era escassa, não havia sistema de abastecimento e dependíamos dos chafarizes públicos. Me recordo que havia dois na cidade e existia até a profissão de carregador de água, homens que atravessavam diariamente a cidade com carrinhos de mão, entre idas e vindas das casas aos chafarizes. Talvez essa tenha sido minha primeira ambição profissional.
O que fez você decidir sair da sua terra?
Eu sempre dizia que nunca iria morar em São Paulo, lugar onde meus pais e minhas tias já moravam, porém conforme eu avançava em idade e me aproximava dos 18 anos, sentia a necessidade de mais, de estudo, de trabalho digno, e isso me motivou a ir contra minhas resistências de criança e partir rumo à cidade que eu dizia que não iria morar. Eu também tive um choque muito grande em relação ao convívio na casa da minha avó. Meu pai, hora ou outra, aparecia e ficava um tempo por lá na minha infância, porém a última vez que eu tinha visto ele foi quando eu tinha sete anos. Ele então retornou quando eu tinha dezessete anos. Me recordo que ele era um homem que gostava de se arrumar, sempre foi muito charmoso, e quando ele voltou era uma pessoa completamente diferente, estava envelhecido, não se cuidava mais e tinha se entregado ao alcoolismo. Quando eu era criança, já tinha levado algumas surras dele, mas eu já quase adulto não aceitaria mais isso, e isso culminou em diversas discussões, principalmente quando ele agredia verbalmente minha avó, a mãe dele, e eu comprava a briga em defesa dela. Lembro que uma vez ele disse que ou eu saía de casa ou a gente iria se matar. Foi um dos principais motivadores para eu buscar uma vida diferente daquela.
Foi uma decisão fácil ou difícil? Por quê?
Não digo que foi tão fácil e nem tão difícil. Foi fácil quando eu olhava para as oportunidades que teria por lá, trabalhar em algum mercado, inclusive na época procurei trabalho no maior mercado da cidade e não fui chamado nem para conversar. Além disso, eu tive uma vida pobre em muitos sentidos, inclusive de faltar alimento em alguns momentos. Minha avó sempre se sacrificou para me oferecer uma vida minimamente digna, me motivou a estudar e até havia uma superproteção, talvez por eu ser o seu primeiro neto. Essa foi a parte difícil, me afastar de quem eu via como minha mãe e muitas vezes ouvir outros dizerem que eu estava sendo ingrato e a abandonando.
Como você se locomoveu da sua cidade até aqui?
Assim como em outras vezes que eu havia vindo a São Paulo, eu me desloquei de ônibus, não tinha dinheiro e nem cultura para viajar de avião. Foi uma viagem de três dias que fiz ao lado de um colega que também vinha em busca de oportunidades. Eu recordo que após almoçar em Brasília, eu passei muito mal durante todo o restante da viagem, o que a tornou ainda mais longa na minha percepção.
Tinha alguém aqui te esperando ou você veio por conta própria?
Minhas tias, minha mãe e meus irmãos já moravam em São Paulo, eu vim para morar com minha mãe.
O que você lembra do seu primeiro dia aqui?
Eu lembro que não desci na rodoviária, cheguei à noite, desci em uma rua e logo minha mãe veio ao meu encontro. Chegando na casa dela, uma casa pequena e organizada entranhada na pequena comunidade Santo Elias em Pirituba, encontrei meus três irmãos, eles estavam no quarto que dividiria com dois deles pelos próximos dois anos. Foi uma sensação esquisita, me senti feliz, mas ao mesmo tempo um estranho chegando em um espaço que não me sentia parte.
O que você sentiu mais falta quando chegou?
Da minha avó, dos meus amigos, dos dias solitários e contemplativos na roça, das festas juninas na quadra da cidade que ficava toda enfeitada e rodeada de barracas de palha e principalmente dos encontros e conversas que se desenrolava na praça da minha e de tantas outras cidades próximas que eu costumava visitar.
O que te ajudou a se adaptar à nova cidade e seguir a vida?
O trabalho, os estudos e com certeza, os amigos que fiz ao longo dos anos que moro por aqui.
Você conseguiu trabalho logo que chegou? Em quê?
Consegui no mês seguinte à minha chegada. Antes precisei fazer um novo RG e também a carteira de trabalho. Como eu ainda não sabia me locomover bem pela cidade, minha mãe me acompanhou para tirar esses documentos e até em algumas consultorias para processos seletivos. Comecei a trabalhar em fevereiro de 2011 em telemarketing, vendendo cartões de crédito, uma das experiências mais traumatizantes da minha vida. Fiquei lá até julho, quando consegui um estágio vendendo cursos em uma escola de inglês. Depois disso trabalhei em dois bancos. Hoje atuo em uma empresa de benefícios corporativos e também dedico parte do meu tempo à fotografia autoral.
Teve chance de estudar aqui ou pretende estudar ainda?
Sim, eu havia feito o ENEM no ano anterior ainda no Piauí e mesmo sem ter recebido a nota ainda, eu havia decidido vir e se não conseguisse entrar na faculdade, eu pretendia trabalhar e pagar do meu bolso. Com a nota, eu consegui uma bolsa de 100% para estudar administração na Anhanguera de Pirituba, depois disso fiz duas pós-graduações, uma em finanças e um MBA em gestão de empresas, além de cursos de extensão. Não consigo ficar muito tempo longe da sala de aula. Pensei em dar um tempo, mas em 2024, decidi fazer algo não relacionado a minha área e comecei a estudar fotografia no SENAC, hoje, concluindo este curso já estou matriculado em uma pós-graduação de fotografia e artes na mesma instituição.
Como tem sido viver aqui?
No geral tem sido uma boa experiência, sou muito grato a tudo que construí aqui. O momento mais desafiador foi quando eu saí da casa da minha mãe para morar sozinho em 2015, em poucos meses passei por quatro casas em lugares diferentes de São Paulo, depois me estabeleci em Osasco e também vivi um período desafiador quando fiquei três meses sem trabalhar após o fim de um estágio, tive que pegar dinheiro emprestado com minha mãe para pagar o aluguel e emagreci muito nessa época pois não tinha condições para me alimentar bem. Voltei a trabalhar na mesma empresa que tinha feito estágio, paguei minha mãe, me matriculei em uma pós-graduação em uma instituição mais reconhecida e tanto no ambiente acadêmico quanto no ambiente corporativo, conquistei muitos amigos que levo comigo para a vida.
A vida que você leva hoje era o que você imaginava?
De certa forma sim. Quando eu morava no Piauí, a maioria das pessoas vinham a São Paulo para trabalhar na obra, juntavam um dinheiro e voltavam, eu tinha muito medo que esse fosse o meu destino também. Hoje tenho minha casa, um relacionamento saudável, posso viajar para onde quero quando o tempo permite, posso investir em projetos que me fazem bem e não falta alimento no meu prato.
Você costuma visitar sua cidade? Com que frequência? Como você se sente quando volta para lá?
Na primeira vez, demorei quatro anos para voltar e depois tenho ido lá a cada dois anos. Confesso que não me sinto mais parte de lá, a cidade mudou, as pessoas que eu conhecia, muitas pessoas mais velhas já faleceram, alguns amigos jovens também e outros se mudaram. Desde a primeira vez que retornei, encontrei uma cidade diferente daquela que existe na minha lembrança em vários sentidos.
Você pensa em voltar a morar em sua cidade natal um dia?
Não. Pretendo me mudar em breve, mas penso em morar fora do país, ou em alguma cidade mais tranquila. Porém não me vejo mais morando na minha cidade.
Você se sente parte da cidade onde vive agora?
Eu vejo que existem cidades dentro da cidade, seja em Osasco ou com toda certeza, em São Paulo, existem alguns lugares que me sinto mais confortável, e apesar de transitar bem em praticamente todos os ambientes, outros não me acolhem tanto ou eu não os acolho. Mas no geral me sinto parte sim.
Quando se apresenta, o que você diz primeiro: de onde você veio ou onde mora atualmente?
Eu sempre digo que sou do Piauí, mas moro em São Paulo há x tempo.
O que você trouxe da sua terra que continua com você?
Eu apaguei o meu sotaque logo que cheguei, talvez em um gesto de violentação de mim mesmo para me adaptar e ser acolhido ao novo meio em que estava inserido. Mas sempre levo comigo os valores, o amor pela boa comida, pela música tradicional, pela cultura riquíssima do Nordeste.
O que você acha que as pessoas deveriam saber sobre quem sai do Nordeste e vem morar aqui?
Que São Paulo é maravilhosa, que há oportunidades, mas que você precisa ser forte, acreditar no seu potencial, não se contentar com pouco e não deixar ninguém pisar em você. E que também há oportunidades em outros cantos. Venha, aprenda, conquiste, mas não se prenda e não abandone jamais quem você é verdadeiramente para se encaixar em qualquer lugar.